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Brasil traça um caminho para um futuro marítimo limpo com um seminário fundamental

O seminário Transição Energética no Mar, realizado no Rio de Janeiro no final de Abril, marcou um grande avanço nos planos para descarbonizar o setor marítimo do Brasil. Os organizadores, liderados pelo Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior, apresentaram uma proposta para o Plano Nacional de Transição Energética Brasileiro (BMNAP). Espera-se que o plano oriente os investimentos em tecnologia de propulsão de navios, combustíveis marítimos alternativos e infraestruturas portuárias, assim como atraia apoio político na implementação de um roteiro para a descarbonização marítima. 

A proposta está em análise e será discutida em audiência pública no Senado Federal no dia 22 de agosto. O BMNAP finalizado será apresentado ao Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho da Organização Marítima Internacional (IMO), que se reunirá no final de setembro de 2024. Esta ação ajudará a solidificar o compromisso do Brasil no cenário internacional. 

Antes do seminário, o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) publicou um documento destacando o valor de um Plano de Ação Nacional no Brasil para orientar investimentos e fomentar políticas que apoiem uma indústria marítima limpa. A publicação destacou a importância da adoção de combustíveis renováveis e da melhoria da eficiência energética da frota existente, ambos refletidos na proposta do BMNAP. O artigo também destacou o potencial de colaborações intersetoriais, incluindo aquelas com portos. 

No seminário, o secretário-geral da IMO, Arsenio Antonio Dominguez Velasco, fez referência aosinsights do estudo do ICCT sobre as emissões de gases de efeito estufa do ciclo de vida do hidrogênio no Brasil durante seu discurso de abertura. Este e outros artigos do ICCT lançaram luz sobre a necessidade de aplicar uma metodologia robusta de avaliação do ciclo de vida ao avaliar a sustentabilidade de combustíveis marítimos alternativos. Este tipo de pesquisa ajudará a fornecer uma compreensão abrangente do potencial dos biocombustíveis, porque leva em conta as emissões associadas às mudanças indiretas do uso do solo (ILUC). 

O secretário-geral da IMO, Arsenio Antonio Dominguez Velasco, fez o discurso principal e destacou a Figura 4 de um estudo publicado pelo ICCT em 2023. Foto Francielle Carvalho.

O ICCT tem conduzido diversas análises técnico-econômicas ao nível das rotas para testar a viabilidade da adoção de diferentes tecnologias de combustível e propulsão nos navios, o que pode ajudar os líderes do setor a priorizar o investimento. Na verdade, os participantes do seminário destacaram o desafio de dar prioridade ao investimento devido às incertezas que rodeiam a tecnologia dos combustíveis e a viabilidade econômica. 

Apresenta-se aqui um breve estudo de caso do graneleiro Cape Jasmine, que transporta minério de ferro. Optou-se por analisar uma extensa e importante rota marítima que vai do Porto de Açu no Brasil (AÇU) até Qingdao na China (QDG), com demandas energéticas substanciais. Ao analisar dados de movimentos de navios de 2023 do Sistema de Identificação Automática (AIS), projetamos uma hipotética viagem futura desta embarcação, que tem capacidade de carga substancial (comprimento total: 292 m; largura: 45 m; pontal: 24,8 m; calado: 18,32 m). O modelo de Avaliação Sistemática de Emissões de Embarcações (SAVE) foi utilizado para estimar as demandas de energia da rota, o que resultou em aproximadamente 15 GWh para a viagem de ida e volta, de cerca de 20.000 milhas náuticas. Isso equivale ao consumo anual de energia elétrica residencial de 19.230 habitantes do sudeste do Brasil em 2020. 

Aproveitando a metodologia que utilizamos anteriormente, a análise mostra que a utilização de hidrogênio líquido como combustível exigiria duas paradas adicionais para reabastecimento para completar a viagem (só ida). Em contraste, a amônia e o metanol poderiam alimentar a viagem de ida sem quaisquer paragens adicionais (Tabela 1). Para explorar o custo dos combustíveis alternativos, a análise baseou-se em um estudo anterior do ICCT, que comparou quantitativamente o custo dos combustíveis marítimos por várias vias. Para esclarecimento, apenas foi comparado o custo do combustível para vias que utilizam eletricidade renovável e capturam dióxido de carbono como matéria-prima. Até 2030, o custo do fornecimento de combustíveis marítimos alternativos para transportar minério de ferro entre AÇU e QDG seria semelhante para o hidrogênio renovável, a amônia renovável e o metanol renovável e, para todos, seria mais de três vezes mais elevado do que a contrapartida dos combustíveis fósseis numa base de energia equivalente. 

Tabela 1. Volume estimado e custo do combustível necessário pelo graneleiro Cabo Jasmine ao longo do corredor AÇU – QDG para uma hipotética viagem só de ida, caso sejam utilizados combustíveis marítimos alternativos 

Tipo de combustível

Volume de combustível necessário (m3)

Número de paradas para reabastecimento necessárias

Custo na bomba até 2030 ($/MJ)

Custo de combustível por viagem até 2030 (milhões de dólares)

Óleo combustível pesado

1.700

0

0,0170

0,91

Hidrogênio

12.000

2

0,0570

3,04

Amônia

5.600

0

0,0569

3,03

Metanol

4.100

0

0,0562

3,00

Observação: todos os custos estão em dólares americanos de 2021. 

Com o hidrogênio líquido, existem limitações práticas em relação ao armazenamento que exigiriam modificações no navio antes que ele pudesse ser usado como combustível principal. Além disso, embora o metanol e a amônia tenham potencial para abastecer viagens de longo curso sem a necessidade de paradas de reabastecimento mais frequentes, a sua toxicidade inerente e a necessidade de modificações significativas nos navios apresentam desafios. Tal como demonstrado no estudo de caso acima, o custo também é um desafio para todos os três tipos de combustíveis alternativos limpos. 

Um aspecto fundamental para viabilizar uma transição para a energia limpa é a sinergia em toda a indústria marítima. Isso significa colaboração entre proprietários de carga, operadores de navios, portos, fornecedores de combustível, construtores navais e outros. Com o BMNAP em fase de conclusão, o Brasil está preparado para demonstrar não apenas liderança nessa colaboração, mas também o seu compromisso com as metas internacionais de descarbonização. 

Autores

Maricruz Fun Sang Cepeda
Pesquisador Associado

Ketan Gore
Pesquisador Associado

Brazil