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Impactos na saúde e custos sociais de um atraso de um ano na implementação da norma P-8 no Brasil

Desde 2020, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) pressiona o Ministério Público Federal a protelar a implementação das fases mais recentes da regulação do controle de emissões para veículos pesados e leves, conhecidas como P-8 e L-7, respectivamente. O governo resistiu amplamente ao lobby até recentemente, quando aprovou o adiamento da implementação dos limites L-7. Apesar da insegurança jurídica dessa medida, contestada pelo Ministério Público Federal, a preocupação agora é que ela permita atrasos semelhantes para os limites P-8, que incidem sobre caminhões e ônibus.

Este é um bom momento para refletir sobre o que está em jogo com a postergação. A análise do ICCT mostra que mesmo um adiamento por um ano significaria milhares de mortes prematuras e bilhões de dólares em danos econômicos. A ciência sobre os efeitos da poluição do ar na saúde é cada vez mais clara e séria; portanto, o governo precisa dobrar os esforços de limpar o setor de transporte do Brasil, e não se abster do empenho.

O esforço por um transporte limpo

O Brasil adotou padrões sem fuligem equivalentes ao Euro VI em novembro de 2018, previstos para ser implementados para novos veículos pesados em 2022, oito anos após a Europa e doze anos após as regulações equivalentes nos Estados Unidos. A norma P-8 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) foi projetada para reduzir as emissões de partículas em tráfego real e de NOx em pelo menos 90% em comparação com os limites P-7 atuais.

Os limites de emissões são necessários: embora representem apenas 5% da frota nacional de veículos, os veículos pesados contribuem com 88% das emissões de partículas finas (MP2,5) e óxidos de nitrogênio (NOx) do setor de transporte. O material particulado (MP) é o fator que mais contribui para os impactos à saúde relacionados à qualidade do ar, seguido pelo ozônio troposférico (O3), segundo o mais recente estudo Global Burden of Disease (GBD) . As emissões de NOx concorrem para ambos, pois formam partículas na atmosfera e são um precursor crítico do O3. Além dos impactos na saúde, essas partículas têm um sério impacto climático. Carbono negro, o maior componente do MP advindo dos motores a diesel pré-Euro VI e pré-EUA 2007, é um poluente climático de curta duração que contribui substancialmente para o aquecimento climático no curto prazo. O ozônio troposférico também é um importante poluente climático.

Nosso estudo

A análise feita pelo ICCT sobre o impacto de um atraso na introdução da P-8 atualiza uma avaliação de custo-benefício concluída em 2016, que examinou os benefícios gerais da implementação desses limites. O estudo usa dados locais atuais sobre populações humanas e de veículos no Brasil, bem como o novo modelo Fast Assessment of Transportation Emissions (FATE), que captura impactos de mortalidade prematura associados às emissões de MP e NOx. No entanto, essa atualização permanece altamente conservadora: não se considera a carga de doenças não fatais (incluindo impactos crônicos, como asma), impactos climáticos ou a potencial economia de combustível associada à transição para a norma P-8.

As emissões de escapamento são simuladas em dois cenários: implementação dos limites P-8 conforme o programado, em 1º de janeiro de 2023, e com um ano de atraso, até 1º de janeiro de 2024. A análise considera caminhões médios, caminhões pesados e ônibus. Com base na análise dos dados de venda e da curva de sobrevivência, estima-se que 236.400 veículos seriam afetados pelo adiamento.

A análise gerou resultados potentes:

O atraso de um ano na introdução dos limites P-8 resultaria em um excesso de 890 toneladas de MP2,5 e 520.000 toneladas de NOx de 2023 a 2050. Isso representa mais de 50% das emissões anuais estimadas de NOx de toda a frota de veículos pesados em 2020 e aproximadamente 3% para MP2,5.

As emissões adicionais foram convertidas em impactos na saúde por meio do modelo FATE, desenvolvido pelo ICCT em colaboração com pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder e da Universidade de Washington. Esse modelo usa resultados do modelo Roadmap para calcular duas métricas de saúde: mortes prematuras e anos de vida perdidos (YLL, do inglês years of life lost) devido à mortalidade prematura.

O modelo FATE usa coeficientes de grade derivados do GEOS-Chem para traduzir as emissões de NOx, carbono negro, carbono orgânico (OC), dióxido de enxofre (SO2), amônia (NH3), monóxido de carbono (CO) e compostos orgânicos voláteis (COVs) para concentrações ambientais de MP2,5e ozônio considerando a média ponderada em função da população, que podem ser usadas para avaliar o impacto na saúde. O cálculo de mortes prematuras e YLL segue a metodologia mais recente do estudo GBD, levando em consideração mudanças estimadas para população, distribuição etária e taxas de doença de base.

O impacto cumulativo de um atraso de um ano na implementação dos limites P-8 seria 6.000 mortes prematuras a mais. A Tabela 1 mostra o crescimento cumulativo do número de mortes prematuras e YLL devido a esse adiamento. Concentrações aumentadas de MP2,5 são responsáveis por aproximadamente 60% das mortes prematuras e 75% dos YLL, sendo o restante devido à elevação das concentrações de ozônio. Esses impactos na saúde são da mesma magnitude que o das emissões totais de escapamento da frota de veículos pesados em 2020.

Tabela 1. Aumento cumulativo de YLL e mortes prematuras por emissões de escapamento de NOx e MP2,5 por veículos pesados devido ao atraso de um ano na implementação da norma P-8 no Brasil

Métrica Poluente Aumento cumulativo na carga de saúde devido ao atraso de um ano (2023–2050)
Mortes prematuras MP2,5 3.500
O3 2.500
Total 6.000
Anos de vida perdidos (YLL) MP2,5 72.000
O3 37.000
Total 109.000

Os custos do atraso superam em muito os benefícios. Além disso, enquanto os custos são arcados pela sociedade, os benefícios revertem-se para as empresas privadas. Com relação aos custos sociais, o uso de uma abordagem de transferência de benefícios (benefit-transfer) para atribuir um valor monetário a mortes prematuras por exposição a MP fino e ozônio revela que o atraso na implementação da norma P-8 custaria à sociedade brasileira 6,26 bilhões de dólares, com custos líquidos de 5,92 bilhões de dólares.

Por outro lado, os fabricantes vislumbram economias de custo nesse adiamento, pois as empresas se eximiriam de tecnologias avançadas de controle de emissões, como filtros de partículas diesel (DPF, do inglês diesel particulate filter), sistemas de redução catalítica seletiva (SCR, do inglês selective catalytic reduction) e diagnósticos de bordo (OBD, do inglês on-board diagnostic). A Figura 1 mostra os custos de tecnologia por veículo aplicáveis à transição da norma P-7 para a P-8 no Brasil. (Como a economia de combustível é um importante motivador para o uso de turbocompressores de geometria variável (TGV) e sistemas de combustível de alta pressão, apenas 50% dos custos foram atribuídos a essas tecnologias.) Os custos totais associados à introdução da tecnologia e o custo operacional incremental dos veículos afetados seriam de 0,34 bilhão de dólares. Com o adiamento da implementação dos limites P-8, esses custos seriam evitados e, assim, considerados como um benefício para as empresas.

Figura 1. Custos de tecnologia por veículo para cumprir a P-8 em comparação com a P-7 para a frota de veículos pesados do Brasil.

A análise de custo-benefício apresenta um quadro claro: o atraso na implementação dos limites P-8 resulta em 18 dólares em custos sociais para cada 1 dólar em benefícios para as empresas. A Tabela 2 exibe os custos de um ano de adiamento, com os custos do veículo representados como economia (custos negativos) e os custos com saúde representados como custos.

Tabela 2. Custos incrementais do atraso de um ano na implementação da norma P-8 no Brasil, em bilhões de dólares (2020), assumindo uma taxa de desconto de 5%.

Custos incrementais do atraso de um ano ao longo da vida útil dos veículos afetados (2030–2050)
Custo da tecnologia do veículo* – 0,31 bilhão de dólares (taxa de desconto de 5%)
Custo operacional (DPF e Arla-32)* – 0,03 bilhão de dólares (taxa de desconto de 5%)
Danos à saúde 6,26 bilhões de dólares (taxa de desconto de 5%)
Custo incremental líquido 5,92 bilhões de dólares

*Custos evitados considerando o atraso na entrada na fase P-8.

Essa análise atualizada deixa evidente o impacto de um possível atraso na implementação da norma P-8. Cada dólar economizado pelos fabricantes com o adiamento por um ano corresponde a um custo social de saúde de 18 dólares. De uma perspectiva por veículo, evitar o custo incremental da vida útil para cumprir os limites P-8, de aproximadamente 1.400 dólares por veículo, geraria aproximadamente 25.000 dólares em custos à saúde humana para cada veículo P-7 vendido durante o ano de atraso. Vale reiterar que essa análise é conservadora, pois não captura todos os benefícios da norma P-8, incluindo impactos não fatais à saúde, impactos relacionados ao clima e economias de combustível, que poderiam aumentar substancialmente o custo do atraso.

Não é o momento de adiar a introdução da P-8. Em vez disso, o Ministério Público Federal deve ater-se ao plano de implementação. A saúde de todos os brasileiros está em jogo.

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