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Acertos e equívocos nas diretrizes para o setor de transportes do Plano de Ação Climática do estado de São Paulo

Em dezembro de 2022, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo publicou o Plano de Ação Climática e Desenvolvimento Sustentável (PAC-SP). Elaborado após a adesão estadual à campanha Race to Zero, da Convenção das Nações Unidas sobre o Clima (UNFCCC), o plano lista diretrizes compatíveis com emissões líquidas zero (net zero) em 2050 para os setores de transporte, energia, resíduos, indústria e AFOLU (agropecuária, florestas e uso do solo).

O plano incentiva medidas com alto potencial de mitigação no setor de transporte, como a difusão de carros, ônibus e caminhões de emissão zero, o aumento da participação do modal ferroviário no transporte de cargas e a substituição de transportes individuais urbanos por transporte público e mobilidade ativa. Contudo, algumas das ações indicadas podem atravancar o ambicioso objetivo de emissões net zero em 2050, resultando no aumento não previsto de emissões ou na criação de lock-ins tecnológicos que podem impedir a ampla difusão de veículos de emissão zero.

Espera-se uma redução de 68% das emissões estaduais de gases de efeito estufa (GEE) projetadas para 2050, atingindo 45 Mt〖CO〗_2eq. As diretrizes para o transporte, maior emissor entre os setores considerados, preveem uma redução mais tímida, de 31%, em relação ao nível de 2020.

Transporte de cargas

O PAC-SP projeta uma expansão do uso de caminhões elétricos leves e médios, que devem alcançar 20% da frota em 2030 e 50% em 2050. Ainda é previsto que 30% dos quilômetros totais hoje percorridos por caminhões pesados serão redirecionados para ferrovias. Em contraste com essas medidas de alto potencial de mitigação, o plano antecipa a introdução de caminhões a gás no equivalente a 25% da frota de 2050, metade dos quais abastecidos com biometano.

Veículos movidos a gás natural veicular (GNV) geram emissões expressivas de GEE e, se verificadas emissões fugitivas de metano na distribuição ou no abastecimento, podem vir a emitir mais GEE que veículos a diesel. O risco de emissões fugitivas também se verifica no uso do biogás, que utilizaria a mesma infraestrutura e cuja composição química é de, no mínimo, 90% de metano. Além disso, a introdução extensiva de veículos a gás pode levar a um lock-in tecnológico devido a altos investimentos em infraestrutura de distribuição. Dessa forma, de acordo com o PAC-SP, ainda em 2050, cerca de 12,5% da frota de caminhões do estado seria abastecida com gás fóssil e cerca de 9%, com diesel.

Transporte coletivo de passageiros

As trajetórias para o transporte coletivo de passageiros são semelhantes às do transporte de carga. A participação de ônibus elétricos urbanos com 60% da frota em 2050 é oportuna e acompanha experiências internacionais de sucesso que confirmam os ônibus elétricos urbanos como o segmento mais competitivo para veículos de emissão zero. Entretanto, enquanto outros países pretendem ter frotas 100% de emissão zero até 2050, outras ações do plano estadual indicam a manutenção de veículos movidos a combustíveis fósseis.

Além dos elétricos, o PAC-SP projeta uma frota de ônibus em 2050 composta por 20% de veículos a gás, metade abastecida a gás fóssil e metade a biometano; 15% a diesel, dos quais 40% seriam abastecidos com óleo vegetal hidrotratado (HVO); 60% a diesel; e 5% a hidrogênio. Desse modo, uma parcela considerável da frota de ônibus permanecerá dependente de combustíveis fósseis, como diesel e gás natural, cujas emissões deverão ser compensadas por projetos de aflorestamento ou mesmo captura e estocagem de carbono, tecnologia custosa e ainda não disponível em escala comercial.

Veículos leves

Quanto à frota de veículos leves, o PAC-SP é norteado pela expansão do uso de etanol por veículos elétricos e híbridos. O percentual de etanol na frota flex-fuel deve chegar a 90% em 2050. Contudo, o plano não designa medidas específicas para incentivar a substituição de gasolina por etanol. Concomitantemente, veículos elétricos e híbridos devem representar 50% e 30% das vendas, respectivamente. No entanto, pesquisas recentes demonstram que a redução de emissões associada a veículos híbridos plug-in é menor do que o indicado em testes de laboratório devido ao uso maior do que o esperado de combustíveis líquidos em detrimento de recargas elétricas.

Apesar de propor a expansão de veículos de emissão zero em todos os segmentos, o PAC-SP não detalha ações para a disseminação de infraestrutura de recarga em espaços públicos. Enquanto alguns segmentos, como ônibus urbanos e caminhões dedicados à logística last-mile, devem depender de recargas em garagens privadas, a disponibilidade de pontos de recarga em vias públicas é fundamental para a difusão de veículos leves elétricos e para a adoção de caminhões de médio e grande porte.

Novas tecnologias e planejamento urbano

Entre as medidas relacionadas a novas tecnologias, destaca-se a introdução de veículos movidos a hidrogênio. É previsto que veículos a hidrogênio constituam 10%, 5% e 10% das frotas de caminhões, ônibus e veículos leves, respectivamente, em 2050. O plano não aborda, porém, se devem ser implementados incentivos específicos para que tais veículos sejam abastecidos exclusivamente com hidrogênio verde produzido a partir de fontes renováveis de eletricidade, como previsto para o consumo industrial em outro capítulo do documento. Assim, fica aberta a possibilidade de que a expansão dessa frota incentive a produção de hidrogênio a partir de fontes não renováveis.

Além de novas tecnologias, a parte final do capítulo dedicado a mobilidade e transportes do PAC-SP propõe incrementos na mobilidade ativa e no uso do transporte público. Espera-se uma redução expressiva, de 50%, no uso de carros e motocicletas, em quilômetros rodados. Destes, 20% serão cobertos por um aumento da mobilidade ativa e os demais 30%, pelo uso de transporte público. Tais medidas têm um notável potencial de mitigação de emissões, bem como a capacidade de melhorar a qualidade de vida da população e o uso do espaço público. No entanto, é necessário planejar o investimento correlato em infraestrutura urbana para a mobilidade ativa e coletiva, de modo a aumentar a comodidade e segurança desses modais.

O PAC-SP propõe diretivas com alto poder de mitigação de emissões para atingir ambiciosas metas ambientais. No entanto, algumas das propostas podem limitar a redução de emissões, como a adoção em larga escala de veículos híbridos plug-in e de veículos pesados movidos a gás. O plano apresenta diretrizes genéricas, que podem nortear a descarbonização do transporte no estado de São Paulo, mas não especifica mecanismos de incentivo à adoção de veículos de emissão zero, mudança modal e mobilidade ativa.

Diferenciais de custo ainda representam o maior desafio para o uso generalizado de veículos de emissão zero. Embora em alguns segmentos as diferenças de custo total de propriedade já sejam pequenas, como ônibus urbanos e logística last-mile, nos maiores segmentos nacionais em vendas e emissões de GEE – veículos leves de passageiros e caminhões pesados –, o diferencial de custos ainda é substancial e, por vezes, impeditivo. Portanto, estabelecer metas para a redução de emissões, expandir a infraestrutura de recarga e prover subsídios que reduzam esse diferencial de custos é fundamental para acelerar a demanda por veículos de emissão zero no Brasil. Esses incentivos são necessários para estimular a produção nacional em larga escala e, assim, reduzir o custo dos veículos e promover um estímulo econômico sustentável.

GHG emissions
Brazil
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