Brazil PROCONVE L-7 and L-8 emission standards for light-duty vehicles
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A crise da Covid-19 não justifica o adiamento da adoção de limites de emissão mais rigorosos para os veículos no Brasil
Em novembro de 2018, foram estabelecidos novos padrões de emissões de veículos no Brasil, como parte das próximas fases do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Para veículos pesados, a fase P-8 está agendada para entrar em vigor em 2022 para as homologações de novos modelos e apenas em 2023 para as vendas de novos veículos. Para veículos leves, as fases L-7 e L-8 estão programadas para serem implementadas progressivamente de 2022 até 2031. No entanto, a indústria automobilística do país está sendo impactada pela crise da Covid-19. Alguns fabricantes de veículos já anunciaram que provavelmente terão dificuldades de atender aos prazos do programa e negociam com o governo o adiamento das novas fases. A proposta até então divulgada pelos representantes da indústria é adiar em três anos o Proconve.
A pandemia ressalta a urgência da adoção de políticas de controle de emissões – e mesmo assim, tem sido a desculpa utilizada pelas montadoras para poluir mais. Antes da crise, muitas cidades brasileiras ultrapassavam os limites de poluição atmosférica recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Estima-se que, em 2015, 52 mil mortes prematuras no país sejam atribuíveis às emissões de PM2.5 e ozônio. Na pandemia, têm-se observado uma redução considerável da poluição do ar em grandes centros urbanos devido à diminuição das atividades industriais e do tráfego de veículos. Considerando que a poluição do ar tem sido apontada como um possível agravante da pandemia, buscar formas de continuar a melhorar a qualidade do ar é inadiável.
Um adiamento de três anos é, de fato, um longo período, atrasando o caminho para um ar mais limpo. As novas fases do Proconve, além de adotarem limites de emissões veiculares mais rigorosos, introduzem no Brasil importantes práticas de controle de emissões já aplicadas em outros países. Em particular, a fase P-8 estabelece padrões de emissões equivalentes ao padrão europeu Euro VI – que é atualmente a tecnologia mais limpa disponível para veículos pesados a diesel. Em 2018, após intensos debates no Conama, foi escolhido o maior prazo entre os propostos para a implantação do P-8 (2022/2023), atendendo à proposta da indústria. Esse prazo concedeu ao setor quatro anos para passar do P-7/Euro V para o P-8/Euro VI e se adaptar a uma tecnologia amplamente conhecida.
Conceder um atraso ainda maior ao Proconve premiaria apenas aqueles que não priorizaram o avanço tecnológico exigido pelo país. Os fabricantes e os fornecedores de componentes que já investiram na tecnologia do Euro VI seriam prejudicados. É importante ressaltar que a maior parte das montadoras brasileiras tem suas matrizes localizadas na Europa, onde produzem veículos Euro VI há anos, tendo acesso total às tecnologias necessárias para cumprir a nova fase. Além disso, veículos com tecnologia Euro VI já são produzidos no Brasil – comercializados, porém, apenas para exportação. Vale lembrar que, desde 2013, o Brasil conta com o combustível de baixo teor de enxofre, exigido na fase anterior do programa.
O Euro VI já é adotado amplamente em diversos mercados, representando cerca de metade das vendas globais de veículos pesados. A figura abaixo apresenta o cronograma de adoção de padrões de emissão de veículos pesados nos oito principais mercados automobilísticos do mundo. Nos Estados Unidos, Canadá e Japão, um padrão equivalente ao Euro VI foi implementado em 2010. Na Europa, o padrão é adotado desde 2014. A Índia adotou recentemente o Euro VI, em abril de 2020. Já na China, um padrão equivalente ao Euro VI está programado para ser implementado em 2021. A partir de 2021, com a China avançando nessa direção, estima-se que as vendas globais de veículos com a tecnologia Euro VI representem mais de 60% do total. Dessa forma, o Brasil assume a última posição entre os maiores mercados de veículos a adotarem o Euro VI.
Na América Latina, alguns países já vêm adotando o Euro VI para os veículos pesados. No México, veículos com tecnologia Euro VI são comercializados desde 2019 e compõem grandes frotas do país, mesmo com o padrão se tornando obrigatório apenas em 2021. No Chile, veículos Euro VI têm sido exigidos na renovação da frota de ônibus de Santiago desde 2019. A Colômbia e o Peru têm demonstrado a intenção de adotar o Euro VI em 2023. Portanto, mais um impacto negativo para o Brasil com a eventual postergação da introdução da fase P-8/Euro VI: uma potencial perda de competitividade em um mercado tradicionalmente atendido pelo país. Fabricantes de outros países que já produzem ou que estarão produzindo em breve a tecnologia Euro VI, como Índia e China, podem ganhar mercado na América Latina.
Os casos da Índia e da China são exemplos importantes para o Brasil. A Índia conseguiu implementar o Euro VI (denominado localmente de Bharat Stage VI), em abril de 2020, mesmo estando em lockdown devido ao Coronavirus. Apesar do mercado indiano ser dominado por fabricantes locais (Tata, Ashok Leyland e Mahindra), sem experiência prévia de implementação dessa tecnologia, o país passou diretamente do Euro IV para o Euro VI em apenas quatro anos. Nesse curto período, a Índia viabilizou tanto a tecnologia necessária para essa transição como o combustível de baixo teor de enxofre. O impacto da pandemia nesse processo resultou na permissão da venda de 10% do estoque de veículos BS IV durante 10 dias, após o lockdown. Já a China adiou em seis meses a implementação do seu programa de controle de emissões de veículos leves (China 6), programado inicialmente para julho de 2020, para permitir a venda do estoque de veículos com a tecnologia anterior. Apesar disso, essa tecnologia já compõe cerca de 70% do mercado do país. Para veículos pesados, a implementação dos padrões equivalente ao Euro VI não foi impactada, e será implementada em julho de 2021.
No Brasil, um programa efetivo de redução de emissões deve ter os veículos pesados como um de seus principais alvos. Mesmo representando menos de 5% da frota brasileira, os veículos pesados (caminhões e ônibus) tendem a percorrer distâncias maiores e a ter um tempo de vida útil também maior. Os veículos pesados são responsáveis por 88% das emissões de material particulado ultrafino (PM2.5) do setor, além de 88% das emissões de NOx, poluente precursor do ozônio troposférico – poluentes prejudiciais à saúde humana, associados a doenças respiratórias e cardiovasculares. Em comparação à norma Euro V/P-7, espera-se que a tecnologia Euro VI/P-8 reduza em 90% as emissões de material particulado, em mais de 99% as partículas ultrafinas e em quase 95% as emissões de NOx. O P-8 também corrige as falhas da fase anterior, cujas emissões de NOx são consideravelmente maiores em condições reais de tráfego. Estima-se que cada ano de atraso da implementação dos padrões P-8 resultaria em 2500 mortes prematuras adicionais.
A tecnologia Euro VI é altamente custo-efetiva. Estima-se que cada dólar investido nessa tecnologia geraria 11 dólares de benefícios, contabilizados a partir da redução dos riscos de mortes prematuras, considerando os custos e benefícios acumulados em 30 anos após sua implementação no Brasil. Prevê-se que os benefícios gerados à sociedade ultrapassariam os custos da tecnologia em 4 anos após sua adoção. O Euro VI também traz oportunidades de introduzir outros avanços tecnológicos, associados a ganhos em eficiência energética, observados em alguns modelos de veículos Euro VI em outros mercados.
Com relação aos veículos leves, mesmo com a entrada das novas fases do Proconve, o Brasil continuará distante das melhores práticas internacionais. As fases L-7 e L-8 preenchem importantes lacunas das fases anteriores, introduzindo limites de emissões de abastecimento e adotando padrões mais rigorosos para emissões evaporativas. Porém, mesmo na última etapa, programada para janeiro de 2031, ainda serão aceitos padrões menos rigorosos do que os atualmente adotados em outros países. A implementação do L-8 é crítica para o controle da formação de ozônio e o retrocesso da regulação para veículos leves, somado à defasagem da regulação já aprovada, dificultará as ações para enquadramento desses poluentes aos padrões OMS.
Para lidar com a crise da pandemia, alguns países têm incluído em seus planos de recuperação econômica políticas de proteção ambiental, incentivando a adoção de veículos zero emissão e investindo em novas tecnologias. Essa é uma oportunidade para o Brasil garantir um crescimento consistente, com ganhos ambientais e econômicos. Ir na contramão dessas tendências não apenas aumentaria a defasagem tecnológica do país, arriscando sua posição competitiva no mercado global, mas também traria prejuízos irreversíveis à saúde pública.